Mas a realidade era bem diferente. Seus pais pareciam se unir ainda mais, como dois guerreiros furiosos na batalha, quando ele tocava no assunto.
- Mãe, Pai, será que eu poderia ter um ca...
- Nem pensar! - gritavam ao mesmo tempo.
- Mas, Mãe, ...
- Não e não! Já sei que depois vai sobrar para mim. Dar banho, limpar a sujeira, dar comida.
- Eu prometo que cuido dele, Mãe, faço tudo isso.
Quando a mãe começou a amolecer, o pai atacou:
- Não e não! É muita despesa e o apartamento é pequeno. E além do mais, você já tem os seus brinquedos.
Dois contra um era covardia e Guilherme continuava na vontade.
Um dia, quando voltava da escola, reparou que, na porta do seu prédio, estava parado um CACHORRO. Não era grande nem pequeno e a raça não se podia definir. Aliás, podia: vira-lata. Todo pretinho, o olhar triste de quem não tinha com quem contar e aparentando estar bem faminto. O garoto não resistiu, chamou-o e qual não foi sua surpresa ao vê-lo se chegar, abanando o rabinho.
- Ele vai ser meu! Vou dar um jeito. - pensou.
Mas como passar pelo porteiro, em primeiro lugar?
( Será que Guilherme vai conseguir passar pelo porteiro com um cachorro? Descubram no próximo capítulo. )
Tirou os livros e cadernos da mochila, pegou o cachorrinho e colocou-o dentro dela.
- Fica bem quieto, tá? Isso não demora.
Ajeitou a mochila nas costas, pegou os livros e cadernos e passou calmamente pelo porteiro.
- Boa tarde, Paulo.
- Boa tarde, Guilherme. Quanto material escolar você carrega, né?
- É, são os meus professores que pedem. Tchau.
Entrou e beijou a mãe, que já tinha chegado do trabalho e estava toda atrapalhada, preparando o jantar. Aproveitou e foi rápido para o quarto, fechando a porta. Abriu a mochila e o animal saltou correndo, pulando e lambendo seu rosto.
- Psiu, fica quieto! Se você quer ficar comigo, não pode sair deste quarto, só quando meus pais não estiverem. Agora, vou providenciar tudo de que você precisa.
Guilherme pensava e sonhava tanto com um cachorro, que até já sabia do que ele precisava. Deu o resto dos biscoitos da merenda, os quais ele devorou, pegou jornal velho e dois potes de margarina vazios.
- Você só pode fazer xixi e cocô no jornal aqui no chão. Aqui do lado, ficarão a água e a comida. E o banho será no tanque.
( O cachorro é um animal. Ele vai entender o que Guilherme disse? Aguardem o 3º capítulo. )
E não é que o danadinho do cachorro fazia direitinho tudo que o menino mandava? Quanto ao nome, depois de muito pensar, foi escolhido Piche.
No dia em que a mãe quis arrumar o quarto, Guilherme disse que já estava bem crescido e que ela tinha muito trabalho, então, ele poderia muito bem limpar e arrumar sozinho. A mãe, emocionada, foi conversar com o pai:
- Guilherme está tão diferente!
- Diferente como? Algum problema?
- Não, pelo contrário, está mais calmo, mais estudioso e até mais feliz. Nunca mais falou em cachorro.
- É que ele está crescendo e os interesses mudam.
- Deve ser. - aceitou a mãe.
E toda a família estava feliz e tranquila. Mas tudo que é bom dura pouco. Certo dia, Guilherme esqueceu a porta do quarto aberta, quando foi para a escola. Piche entendeu aquilo como um sinal para sair. E saiu. Naquele dia, Guilherme tinha trabalho de pesquisa em grupo e foi para a casa de uma colega, direto da escola. Sua mãe foi ao mercado, logo depois do trabalho. E o pai, trabalhando o dia todo. Conclusão: todos chegaram em casa à mesma hora, debaixo de um forte temporal. Ao abrirem a porta, surpresa! Piche estava na sala, todo feliz, latindo, pulando e abanando o rabinho. Nesse momento, os pais entenderam o motivo da mudança do comportamento do filho. E como estavam sempre muito ocupados ou cansados, não enxergaram o que estava acontecendo na casa. A reação dos dois foi praticamente a mesma, só as palavras mudaram:
- O que significa isto?
- Um cachorro na nossa casa!
( Piche foi descoberto! O que os pais de Guilherme farão com ele? Vejam no 4º capítulo. )
- Você nos enganou!
- Um animal da rua!
- Mãe, Pai, por favor! Deixem eu ficar com ele! Eu mesmo cuidei dele, nem incomodei vocês. Ele é tão bonzinho...
- Não, não e não!
- Perdão! Desculpem!
- Já disse que não! - e o pai pegou o animal e levou-o para a rua.
Guilherme foi atrás, chorando desesperado:
- Pai, tá chovendo e ventando muito, deixe ele ficar! Ele é o meu melhor amigo.
O pai nem respondeu, mas o seu olhar apenas significava uma coisa: FÚRIA! Abriu o portão do prédio e pôs Piche para fora, na calçada, debaixo do temporal. E que temporal! Foi então que ele desandou a latir e parecia avançar para o pai, que recuava para o portão.
- Quer me morder, é? Vá embora, suma daqui! - gritava ameaçador.
Piche, repentinamente, deu um salto, só que pulou em cima de um fio de alta tensão que tinha partido e estava atrás do pai. Foi uma cena terrível! Todos gritavam: o pai, a mãe, o porteiro, os vizinhos. Mas Guilherme chorava. Piche, o seu Piche foi um herói. Ele latiu para avisar o pai do perigo e pulou para evitar que ele pisasse no fio, mas...
( O que aconteceu com Piche? Confiram no 5º capítulo desta emocionante história. )
- Guilherme, eu sinto muito, mas ele não resistiu. - disse o porteiro.
- Pai, o que significa "não resistiu" ?
Chorando também, o pai respondeu, abraçando-o bem forte:
- Significa, meu filho, que ele, infelizmente, morreu. Apesar de tudo que eu fiz, Piche salvou minha vida. Foi o meu melhor amigo, também.
Sabem uma doença contagiosa? O choro deles passou para todos.
- E agora, Mãe?
- Agora, seu pai vai levá-lo para o cemitério dos animais.
- Posso rezar por ele antes?
- Pode, sim, eu vou rezar também.
A tempestade passou, os funcionários da Companhia de Eletricidade vieram consertar o fio e, debaixo de uma chuva fraca, todos rezaram pelo Piche. Depois de ser muito abraçado e consolado pelas pessoas, Guilherme foi para casa com a mãe. Não conseguiu comer e só dormiu depois que o pai o carregou para a cama deles, já bem tarde. Nessa noite, reparou que, por causa da tristeza, os pais permitiram três coisas que ele queria, porém proibidas para ele: não comer, dormir na cama do casal e bem tarde. Mas ele preferia que o Piche estivesse lá e aí...
No dia seguinte, um sábado, reparou que o pai tinha saído a manhã inteira.
( Por que o pai de Guilherme saiu? Não era dia de trabalhar... Foi fazer o quê? )
- Mãe, cadê o Papai?
- Foi resolver uns problemas, mas já deve estar chegando.
Quando o pai chegou, trazia uma caixa embrulhada para presente.
- É para você, filho.
- Não quero presente, Pai, eu queria o Piche.
- Eu sei, eu queria também. Mas abra, se você não gostar, eu devolvo para a loja.
Sem entusiasmo, Guilherme abriu a caixa. Seus olhos brilharam! Uma bola pequena e peluda se mexia bem devagar.
- Um cachorrinho!
- Se você não quiser, eu devolvo, Guilherme.
- Não, Pai, não! Adorei, foi o melhor presente que já ganhei!
Mas a mãe cobrou:
- Promete que vai cuidar dele como cuidou do Piche?
- Ah, se prometo! Cuidarei melhor ainda, porque não será escondido. Mas nunca vou esquecer o Piche.
Piche nunca foi esquecido. Todos, até hoje, contam a sua história, a história de um cachorro que viveu para salvar uma vida e fazer a alegria de outra. A opinião geral é que Guilherme deverá se tornar um ótimo veterinário, quando crescer. Será?
F I M
( Gostaram? Faltou uma coisa: um nome para o cachorrinho presente. Vocês querem sugerir algum? )